Wilde- máscara em movimento

 OSCAR WILDE: MÁSCARA EM MOVIMENTO 

''...Nenhum grande artista vê as coisas tais como são na realidade. Se as visse, deixaria de ser um artista...'' (WILDE, 2003, p.1090)

     Marcado por contradições, o discurso do século XIX apresentava-se, ao mesmo tempo, soberano e prisioneiro. Daí, a necessidade de, pela exploração da palavra nas suas virtualidades, elevá-la acima da pobre expressividade da comunicação cotidiana. Um novo encantamento desejava insinuar-se nas fissuras do tecido social. Havia a nostalgia de uma singularidade anterior a estereotipia. Assim, o artista, ao se deixar levar pelo sabor das paixões, recusava-se a dissimular intencionalmente com os outros, arriscando-se a perpetuar a situação presente. Esta 'loucura' ofereceria uma visão mais global, a totalidade dos segredos. O real se multiplicaria e o corpo, invadido, errante, desconstrutor, reconquistaria o equilíbrio esquecido. Houve, assim, uma autêntica reinvindicação do mistério contra o racionalismo matemático. O prazer estético surgiu como esperança de rompimento do cárcere em que se encontrava a individuação. A facilidade de desfazer-se de uma identidade no momento em que ela deixava de ser satisfatória passou a ser mais importante, já que permitia amorosa ausculta ao mundo interior, até então tempestuosamente marcado pela subserviência. Distante do poder controlador, percebeu-se que o essencial não tinha nome ou forma: era descoberta e assombro, glória e condenação. A produção artística gerada desta exigência foi de uma beleza até então desconhecida, de uma sensualidade especializada e sensações requintadas. Nesta cena, insubmisso, revolucionário, inquieto, decadente, Oscar Wilde teve a vida como conflito, incerteza, com um enredo constantemente transmutado no estuário de atitudes audaciosas e palavras cortantes em direção ao remanso da superação de uma moral que agrilhoava o espírito. Sua arte convidava o discurso a valsar. Invencível na tendência de 'agitar' sua época pelo dizer textual, de surpreendente investida e negação do creditado sistema de verdades, promoveu um mundo que, a partir do olhar, reencontraria todas as cores, tanto na alegria como no mais extremo receio, questionando o caráter de solidez do corpo. Como esteta, amante do brilho da antiguidade e como dândi, admirador do algo novo da modernidade, Wilde combinou reconstrução e renascimento. Viu nas possibilidades de prazer oferecidas pela vida o começo da beleza e provocou confusão ao não descartar uma verdade colocando o oposto em seu lugar, mas sim, jogando com os dois sentidos ao mesmo tempo. Questionando a dualidade, ousava reescrever a História. Seu leitor é incitado a alargar o universo, não oferecer resistência à liberdade de expressão. O provisório completa, refaz, contorna, vence. Wilde encontrou o estilo adequado à pintura febril dos impulsos levando o texto literário não ao definitivo, mas à busca atormentada. Saltando-lhe na cabeça mil caprichos, promoveu um espetáculo estético perverso repleto de futuro. Supera, assim, sua época, ao opor-se frontalmente a ela. A luta do esteta pelo novo não enunciou leis. Justapondo o 'real' e o 'poético', assumiu o mistério, o eternamente flutuante. Então, guia artístico na Inglaterra vitoriana , por meio do artifício da máscara, desestruturou a pretensa segurança que a 'compreensão das coisas' trazia. Esta nova linguagem se direcionaria para o inatingível, o inesgotável murmúrio das palavras. Este novo artista é convocado a, a partir de diferentes 'eus' e realidades a sua escolha, desacreditar a tendência de ver o mundo como uma verdade unitária. A meta não era a de desmistificar as ilusões humanas, e sim, encontrar nelas o testemunho mais sugestivo do espírito e imaginação humanos. Wilde, juntamente com outros representantes do movimento decadente, tinha no vago, no indistinto e no incorpóreo a contrapartida ao objeto descrito com precisão, de forma concreta e lógica . Inventando-se, criou um espetáculo, violou limites e subtraiu toda referência anterior. A imprecisão de contornos em seu corpus, aproximou o corpo percebido do corpo sonhado. A vertigem especular revelada conduz à impossibilidade qualquer imagem fixa do corpo, trazendo uma estratificação outra, identificando tempo e espaço como meros acidentes. Na 'perda' desta existência 'localizada', encontraria-se a nova consciência, que daria aos indivíduos inumeráveis enigmas. Afinal, segundo Wilde, a verdade sobre a vida de um homem não estava no que ele havia realizado, e sim,na lenda que construísse a seu redor, podendo com ela serem "tecidas belas poesias como se fossem fios brilhantes e sedas em múltiplos desenhos, em numerosos modelos, maravilhosos e diferentes." (WILDE, 2003, p. 1260). A arte tornou-se uma operação mágica capaz de evocar uma face perdida. Como jogador, apostou na teatralidade do mundo, deslocando a proposta vitoriana para o exercício do dandismo e, postulando a amoralidade, brincou com as sombras, os reflexos, numa rede que pôs sua personalidade em questão. A ebriedade natural com que via as coisas fez de sua escrita, uma escrita de passagem: que não se acomodava à hora, mas sim, à intenção. Pela ficção, construiu-se constantemente, obtendo o que lhe faltava de fato. Sabendo que nascera incompleto, buscou a totalidade - o apolíneo e o dionisíaco -, pois sabia que a existência era movimento de criação e morte. Sua grande meta foi evitar a perplexidade diante do não vivido, da não fidelidade, do consequente estranhamento e mal estar produzidos pelo distanciamento de si. Reconhecendo ser forçosa a redução dos homens em heróis ou vilões, postulou ser a disciplina uma forma de amestrar indivíduos, reduzindo-os a animais mansos e 'civilizados' e através das palavras, quis 'enganar a saudade' de uma época sem esquecimento: "creio que se um homem quisesse viver a sua vida plena e completamente, se quisesse dar forma a todo sentimento seu, expressão a cada pensamento, realidade a todo sonho, acredito que o mundo receberia tal impulso novo de alegria que esqueceríamos todas as enfermidades medievais, para voltar ao ideal grego, a algo mais belo e mais rico...".(WILDE, 2003, p. 69)


REFERÊNCIA

WILDE, O. Obra Completa . Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.

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