Dedicatória - moldura para Wilde, artista da vida

     As linhas escarlates e serpentinas que se seguem deslizam pelo papel para destacar o traçado de palavras que comporta sinuosidades desconcertantes de contraditória maestria. Este é, de fato, um elogio dirigido ao leitor atento à música das letras, cujos passos rejeitem a monotonia; leitor que se abandona “com toda essa alegria serena e segura que a gente goza somente quando captou algo que os séculos não podem enfraquecer” (WILDE, 2003, p.1260); leitor para quem a vida real “é com frequência a que ele não vive e podem ser tecidas belas poesias como se fossem ricos fios de brilhantes sedas em múltiplos desenhos, em numerosos modelos, maravilhosos e diferentes de todos.”(WILDE, 2003, p.1260); leitor que ama a obra de arte pelo que ela é, fatalmente incompreensível.

        Em 16 de outubro de 1854, nascia Oscar Wilde e, neste instante o texto, alimentado por ininterruptos enigmas, que ansiava por colimar mentes adormecidas. Texto inteiramente dedicado a este leitor que, de posse do segredo do prazer duradouro, “abandonará sem pesar muitas coisas que em outro tempo tinham sido preciosas para ele.” (WILDE, 2003, p.1261).A admiração por esta escrita peregrina de Wilde – montra de ironia, perversão e ternura – se revela na pura e inusitada consagração de um artista à Arte. Na escolha das cores, na imobilidade das personagens, nos provocantes epigramas, na crítica ferina, na tristeza contida, na incontestável alegria, o amante do paradoxo aceitou da existência o lado luminoso sem renegar o sombrio. A chave do labirinto saltou-lhe das mãos e a Arte, sua musa e guia, concedeu-lhe uma eterna e impressionante capacidade de sonhar. 

        As postagens a seguir buscarão mostrar um pouco desta leitura outra de um corpo desejoso de comunicar o incognoscível. Concentrado em si mesmo, Oscar Wilde percebeu-se em luta inevitável com o ‘mundo real’. A tranquilidade, porém, foi sua marca, já que garantira a completitude de si ao decidir-se pela construção de um mundo poético, multiforme, fruto da improvisação, com a superioridade absoluta do inconsciente. Recorrendo à melodia interior, banhada de mistério, opera uma transformação radical questionando toda solidez. Este discurso ‘alternativo’ tornaria a percepção mais extensa e intensa a partir da exaltação do efêmero. Oscar Wilde re-traduziu-se e foi banido da vida ordinária. Buscou na superação a grandeza possível do humano e cada porção de seu organismo formou o retrato de uma vida que se sabia desde sempre artística. A rebeldia deste corpo marcado pela estranheza acompanhou e executou o destino de cada personagem de sua vasta obra confirmando o princípio de Beleza “pelo qual as sombras inconstantes de sua existência são captadas no momento mais fugaz e fixadas perduravelmente.” (WILDE, 2003, p.1261). A extraordinária simplicidade levaria olhos míopes à cegueira, enquanto ele se dirigia a passos largos em direção ao Sol, tal qual o mitológico Ícaro.

        Cada pensamento expresso apresentava um capítulo sempre no tempo-presente. Da glória dos teatros passando pela meia-noite do coração na Prisão de Reading até o quase ostracismo dos últimos anos entendeu que precisava manter-se atento para inventar-se constantemente – o que lhe permitiria estar no local para onde queria transportar seu texto.

          Oscar Wilde existe agora em uma inacreditável gama de imagens, traços, pedaços de identificações desvelada a cada leitura; ele continua a convocar o leitor para ser não o que os outros são, mas tudo o que pode ser. Esta foi a dedicatória esculpida por indomável artista para o leitor no texto definitivo que foi sua vida.


WILDE, O. Obra Completa. RJ: Nova Aguilar, 2003

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